segunda-feira, 10 de junho de 2019

O VALOR DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Quando cheguei ao curso de direito, em 1996, logo me interessei pelas noções de hermenêutica jurídica, apresentadas na Introdução ao Estudo do Direito, uma espécie de enciclopédia do conhecimento jurídico. Aprendi que existem diversos critérios ou regras de interpretação das normas jurídicas, como o literal (gramatical), o lógico (racional), o sistemático, o histórico, o teleológico. Nisso nos ajudava o clássico de Carlos Maximiliano, com o título “Hermenêutica e aplicação do direito”, além dos manuais introdutórios e das aulas de professores dedicados ao tema. Percebi naqueles dias alguma aproximação entre as regras hermenêuticas do direito e as regras hermenêuticas que eu, ainda um jovem estudante, poderia aplicar no estudo da Bíblia.
Nas reuniões da Aliança Bíblica Universitária (ABU), aprendíamos a utilizar o “método de estudo bíblico indutivo”, que, consubstanciado nas etapas da Observação, Interpretação e Aplicação, parte da premissa de que qualquer entendimento deve ser extraído do próprio texto, sem o predomínio de pressuposições ou raciocínios arbitrários. Assim, na leitura dos Evangelhos, caminhávamos primeiramente pela elucidação de termos como “fariseu”, “dracma”, “publicano”, além de circunstâncias de tempo e lugar (etapa da Observação), para depois buscarmos o significado da passagem (etapa da Interpretação propriamente dita), e, adiante, tentávamos estabelecer “o que este texto significa para mim hoje e o que devo fazer a partir de agora” (etapa da Aplicação).
O que a ABU me ensinava – aprendi posteriormente – era o emprego do método histórico-gramatical (ou gramático-histórico) de interpretação das Escrituras, preconizado pela Reforma Protestante, mas com origens na Era Patrística (Era Pós-apostólica) e, acima de tudo, recomendado implicitamente pela Palavra de Deus. Era justamente esse o método empregado, por exemplo, pelo único livro teológico que eu utilizaria, no princípio dos anos 2000, em estudos e na preparação de sermões, o “Novo Comentário da Bíblia”, edição em dois volumes da Vida Nova (um livro de minha esposa que mantemos com muita alegria e boa recordação). Ao discorrer sobre cada versículo das Escrituras, renomados autores buscavam saber “onde”, “quando”, “por que”, “para que”, “por quem” e “para quem” o texto foi escrito, o que ele significou para seus primeiros leitores e quais as correlações que se poderiam fazer entre diferentes passagens de ambos os Testamentos.
O método histórico-gramatical é uma das seções da belíssima arte da hermenêutica, que também cuida de pressupostos válidos e regras (princípios) concernentes à correta interpretação. A hermenêutica pode ser bíblica, jurídica, filosófica ou relacionada a outros campos do saber, mas poderíamos afirmar que para a teologia e ética cristã ela é ainda mais relevante, considerando que o cristão precisa crer e proceder exatamente de acordo com o que a Bíblia diz, disso dependendo sua vida, salvação e visão de mundo.
Eu também aprenderia mais tarde que "um texto bíblico jamais pode significar o que ele nunca significou". E entenderia que existe diferença entre interpretação (o sentido do texto) e aplicação (o que devo fazer agora) - o sentido do texto bíblico é sempre o mesmo, mas a aplicação pode receber ênfases distintas, conforme o contexto histórico dos leitores, assim como pode abranger situações as mais diversas, sem limitações de nenhuma espécie.
De acordo com o texto de II Tm 2.15, o obreiro precisa se apresentar a Deus “aprovado”, sem ter “do que se envergonhar”, e para isso deve manejar bem “a palavra da verdade”. Manejar é manusear, utilizar, empregar, e isto deve ser feito da melhor maneira, porque se trata da Palavra de Deus, que entendemos ser inspirada, inerrante, infalível, autoritativa, suficiente, absoluta e eterna.
Jamais um obreiro deve desconsiderar o valor da boa interpretação bíblica, pois tudo o que pensamos ou fazemos deve estar pautado pelas Escrituras, sendo a interpretação bíblica uma forma eficaz de buscarmos o conhecimento de Deus. De fato, a vida cristã, o louvor, a adoração, o evangelismo, as missões, a oração, a pregação, a teologia, a ética cristã e a doutrina passam necessariamente pelo texto bíblico, o que demanda de todo cristão, e especialmente do obreiro, atenção ao que está escrito, ao seu sentido e alcance.
O bom manejo das Escrituras permite a formatação de uma cultura cristã, o fortalecimento de uma cosmovisão (weltanschauung) cristã, o combate a erros doutrinários, heresias e movimentos sectários, e, ainda, o combate a ideologias perniciosas e anticristãs, as quais podemos arrolar entre as “filosofias e vãs sutilezas” a que Paulo se refere (cf. Cl 2.8), e que geralmente estão associadas ao espírito da época (zeitgeist).
Valorizar a interpretação sadia da Bíblia é um modo de obedecer a Deus.

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